segunda-feira, 9 de novembro de 2009

SOB O SIGNO DA RODA DE FOGO
Virgília Ribeiro Peixoto
"*... As civilizações modernas tentaram abolir os mitos, os símbolos e a imaginação em defesa da razão do racionalismo*, e com esta atitude o homem perdeu o caminho. Nesta profanação as imagens foram reprimidas no fundo do poço do inconsciente coletivo. O homem porém insatisfeito busca uma resposta e é, através da Astrologia e movimentos da bruxaria, xamânicos, religiosos, filosóficos, que os cultos dos deuses e o retorno do simbolismo reaparece.
O diálogo homem e sol é um dos belos espetáculos do nosso universo! Desde os mitos sobre o nascimento do sol, às lendas e imagens psíquicas, até os estudos científicos de Isac Newton e Einstein.
O simbolismo sobre o sol é vasto e se reveste de uma importância tal que, inúmeros documentos têm sido produzidos sobre o mesmo. O simbolismo do sol com o poder e a glória, está estritamente ligado aos grandes impérios de civilizações tropicais, relembremos aqui as figuras dos faraós do Egito, dos deuses astecas, dos Incas, da Índia, da Mesopotâmia, das regiões tropicais asiáticas. Há uma relação dos cultos solares com uma infinidade de manifestações simbólicas nas quais o sol é ser supremo e de cuja casa fazem parte os imperadores e famílias reais.
A solarização dos seres supremos, "na região indo-mediterrânica, foi observada, na substituição da figura suprema Uraniana (céu, firmamento) por um Deus atmosférico e fecundador, esposo muitas vezes ou simplesmente cólito, subordinado, da grande-mãe, telúrico-lunar-vegetal, e por vezes, pai dum "deus da vegetação".
Esta conjunção dos elementos solares e vegetais explica-se evidentemente pelo papel extraordinário do soberano, tanto no plano cósmico como no plano social, na acumulação e na distribuição da "vida".
É assim que as camadas arcaicas das culturas primitivas (ágrafas) denunciam já o movimento de transferência dos atributos do deus uraniano para a divindade solar. O arco-íris, tido em tantos lugares por uma epifania uraniana (celestial), acha-se associado ao sol e torna-se - para alguns - o irmão do sol.
Para os Pigmeus Semang, os Fugeanos e os Boschimanes, o Sol é o "olho" do deus supremo.
A solarização do ser supremo uraniano é também, um fenômeno bastante freqüente em África.
Os Kaffa chamam por Abo ao ser supremo, o que quer dizer ao mesmo tempo "*Pai*" e "*Sol*".
Na ilha de Timor, cultuam a descendência solar, alguns chefes intitulam-se "Filhos do Sol" e pretendem descender diretamente do deus solar.
Os Korkus da Índia, julgam-se saídos da união do Sol e da Lua.
Na Austrália, a identificação do homem com o Sol é através do cerimonial da iniciação. O candidato, que pinta a cabeça de vermelho, arranca os cabelos e a barba. Sofre uma "morte" simbólica e renasce no dia seguinte ao mesmo tempo que o sol. O sol torna-se assim o protótipo do "morto" que ressuscita cada manhã. Deriva desta valorização do Sol em deus "herói" que sem conhecer a morte (como a conhecia por exemplo a Lua), atravessa cada noite o império da morte e reaparece no dia seguinte, ele próprio eterno, eternamente igual a si mesmo.
Mas é na cultura egípcia que se percebe com grande intensidade a dominação do mito solar. Desde a época antiga o deus solar tinha absorvido diversas divindades, tais como Atum, Hóruns, e o escaravelho Khipri.
A partir da V dinastia o fenômeno generaliza-se: fundindo-se com o sol as figuras de* Chnuen - Rá, Min-Rá e Amor-Rá*.
O nascer do sol e o pôr do Sol no Egito na época dos faraós significavam: "O sol punha-se no campo das Oferendas ou Campo do Repouso para se levantar no dia seguinte no ponto oposto da abóboda celeste chamado Campo das Canas. Estas regiões recebiam atribuições funerárias e dependiam do deus Rá para guiar as almas dos faraós até o sol. A alma do faraó partia do Campo das Canas (Oriente) ao encontro do Sol na abóboda celeste, para chegar, guiada por ele, ao Campo das Oferendas, (vence o touro das Oferendas) e tem direito de se instalar no Céu".
Rá é o deus sol, deus funerário aristocrático.
No Egito o sol permanecerá sempre como salvador de uma classe privilegiada (a família do soberano).
Na Babilônia o culto solar permite que se reconheça nele vestígios de relações muito antigas com o além. Shamash é chamado o "Sol" de "Timmê" quer dizer dos Manes, diz-se dele que "faz viver um morto".
Na Grécia e na Itália, o Sol ocupou um lugar tão só de segundo plano. Em Roma, o culto solar foi introduzido em tempos do império através de influências orientais e se desenvolveu de forma exterior e artificial, graças ao culto dos Imperadores. O mito de Hélios revela não só as valências ctónicas e infernal. É também simbolizado com Titan, energia geradora. Também simboliza com as trevas: a feitiçaria e o inferno.
A polaridade luz - obscuridade, pôde pois ser apreendida como as duas fases alternantes de uma única realidade.
Na Índia o culto solar é também de um simbolismo ambivalente. Chamam-no de Sûrya e teve sempre um papel de segunda categoria, mesmo assim o Rig Veda consagrou-lhe dez hinos, chamam-lhe o olho do céu ou olho de Mitras e de Varuna. Ele vê ao longe, é "o espião" do mundo inteiro. O sol nasceu do olho do gigante cósmico, de modo que na morte, quando o corpo e a alma do homem entram no macrantropo cósmico, o seu olho volta para o sol. Ele é também Savitri, ele é imortal, e em certos textos ele confere imortalidade aos deuses e aos homens.
Savitri ou o Sol é ao mesmo tempo percebido sob os aspectos tenebrosos. Ora ele é "resplandecente" ora é "negro" (quer dizer invisível). Savitri traz tanto a noite como o dia, e ele próprio é um deus da noite.
Nos cerimoniais europeus, o lançamento de rodas em fogo por ocasião dos solstícios, assim como outros usos semelhantes, desempenha provavelmente também uma função mágica de restauração da energia solar ou das forças solares. Com efeito, nas regiões do Norte, a redução crescente dos dias à medida que se aproxima o solstício do Inverno, inspira o temor de que o sol possa desaparecer, se extinguir.
O medo e o temor do desaparecimento do sol, é um tema encontrado em culturas diferentes: - Carl Gustav Jung quando visitou o Novo México viveu a seguinte experiência:
"Estava sentado no terraço, em companhia de Ochwiay Biano enquanto o Sol se elevava, cada vez mais brilhante. Apontando-o, ele me disse: 'Então não é nosso Pai, aquele que se ergue no céu? Como negá-lo? Como poderia existir um outro Deus? Nada pode existir sem o Sol' Sua excitação, que já era visível, foi aumentando. Buscava palavras e por fim exclamou: 'O que pode fazer um homem sozinho nas montanhas? Sem Ele não pode nem ao menos acender o fogo que o aquece, ilumina e aquece seu alimento!' "
Perguntei-lhe se não pensava que o Sol era uma bola de fogo, formada por um deus invisível. Minha pergunta não suscitou espanto e muito menos desagrado. Simplesmente deixou-o indiferente. Tive a impressão de esbarrar num muro intransponível. A única resposta que obtive foi: "O Sol é Deus; todos podem ver isso!".
Ninguém pode se furtar à poderosa impressão que o Sol causa; no entanto, assistir a esses homens maduros, extremamente dignos, tomados de uma emoção irreprimível ao falar do Sol, foi para mim uma experiência nova, que me tocou profundamente.
Percebi, devido à sua agitação, que se referia a um elemento muito importante de sua religião. Então, perguntei-lhe: "*O senhor acredita que suas práticas religiosas sejam de proveito para todo o mundo?*" Ele respondeu com muita vivacidade: "*Naturalmente, se não o fizéssemos, o que seria do mundo?" E, com um gesto carregado de sentido, apontou o Sol*.
Senti que havíamos chegado a um ponto muito delicado, no tocante aos mistérios do clã. "*É preciso lembrar que somos um povo - disse - que permanece no teto do mundo; somos os filhos de nosso deus o Sol, e graças à nossa religião ajudamos diariamente nosso Pai a atravessar o céu. Agimos assim, não só por nós mesmos, mas pelo mundo inteiro. Se cessássemos nossas práticas religiosas, em dez anos o Sol não se ergueria mais. Haveria uma noite eterna*".
Compreendi, então, sobre o que repousava a "dignidade", a certeza serena do indivíduo isolado: era um filho do Sol, sua vida tinha um sentido cosmológico: não assistia ele a seu Pai - que conserva toda vida - em seu nascente e poente cotidianos? Se compararmos a isso nossa autojustificação, ou o sentido que a razão empresta à nossa vida, não podemos deixar de ficar impressionados com a nossa miséria. Precisamos sorrir, ainda que de puro ciúme, da ingenuidade dos índios e nos vangloriarmos de nossa inteligência, a fim de não descobrirmos o quanto nos empobrecemos e degeneramos. O saber não nos enriquece; pelo contrário, afasta-nos cada vez mais do mundo mítico, no qual, outrora, tínhamos direito da cidadania.
O índio Pueblo preserva o sol para toda a humanidade!!!
Nas concepções mágicas dos incas, o céu e a terra estão sempre estreitamente associados, suas influências se completam harmoniosamente. A* festa de Inte Raymi, apresentava, em associação com o culto prestado ao Deus Sol, com as características de uma festa da fecundidade.*

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