segunda-feira, 30 de março de 2009

Quando Deus Era Mulher


Toda a história que conhecemos até bem pouco tempo atrás, que era ensinada nas escolas e que fazia criarmos uma idéia da nossa civilização, começava em um tempo muito remoto do início da era patriarcal.
Esta época era povoada por Deuses poderosos portando espadas e escudos assim como podemos constatar, também, no sabido Pai do Olimpo, Zeus, o senhor do raio e do trovão. Mesmo imersos em feitos heróicos e de dominação e de deusas com posturas masculinas como a deusa Athenas, na memória deste povo existia algo diferente, que foi sendo adaptado à nova verdade onde o centro era o masculino. Surgem, na Grécia antiga, mitos que são claramente a passagem de uma época em que as deusas femininas (que na antiguidade nada mais eram do que as várias facetas da mesma deusa, a Grande Mãe), foram sendo modificadas e transformadas para fazer frente a uma nova verdade que se instalava progressivamente naquela sociedade.
Constatam-se várias histórias de Deusas Tríplices, vários aspectos e maneiras de retratar uma verdade anterior que era o aspecto tríplice da Grande Mãe, da natureza.
Desconhecíamos até bem pouco tempo atrás que existisse algo antes desta estrutura social organizada que é hoje nosso referencial de mundo.
Há muito pouco tempo temos a arqueologia como ciência organizada que permite o estudo de um sítio arqueológico em toda a sua plenitude e após a Segunda Guerra esta ciência se consagrou, passando a ser respeitada. Em seu trabalho isola o local a ser estudado sem retirar nenhuma peça para, então, catalogá-las e construir um panorama da época, dos hábitos, costumes, crenças, religião, estrutura social, política, econômica do povo que ali habitava, tecendo uma colcha de retalhos ao redor do mundo para descobrir, cada vez mais, de onde viemos. Isto tem permitido construir uma nova visão e verdade a respeito de nossas origens e história.
Novos pesquisadores vem descobrindo novos sítios arqueológicos que confirmam ter existido, antes do que conhecemos como o início da nossa história, uma civilização evoluída que tinha uma estrutura complexa de organização.
Em regiões da Europa Antiga, termo que designa o sudeste Europeu e também em regiões de culturas megalíticas da Europa Ocidental como Irlanda, Grã-Bretanha, Malta, Sardenha, Escandinávia, França, Espanha, na Ilha de Creta e regiões além dos Balcãs e Oriente Médio, onde hoje se situa a Turquia, na região da antiga Jericó, hoje Israel, foram descobertas, através de numerosas escavações, estatuetas femininas e símbolos de uma deidade feminina que pertenciam ao período neolítico. Também foram descobertos artefatos que mostram ter existido uma sociedade estruturada, gregária, pacífica na época de 7000 ªC. até 3500ªC.”Na verdade, os primeiros sinais do que os arqueólogos denominam a revolução neolítica ou agrícola começam a surgir em períodos remotos como 9000 ou 8000 ªC. – há mais de dez mil anos.” (O Cálice e a Espada – Riane Eisler).
Nesta época de 7000 ªC., em Jericó, as pessoas já moravam em casas de tijolo e reboco, algumas com fornos e chaminés e em um sítio neolítico da Síria setentrional, foram encontrados artefatos de cobre forjado e também estatuetas femininas semelhantes.
A maior parte da história que conhecemos e que aprendemos a pensar como nossa evolução cultural tem sido mera interpretação. (O Cálice e a Espada). Além disto, o que pensamos a respeito do que vimos e a verdade que construímos a partir daí são verdades baseadas em nossa forma habitual de pensar por estarmos imersos em uma estrutura social e de pensamento há 6000 anos e que se encontra arraigada em nosso inconsciente, a estrutura patriarcal. Portanto, a história que conhecemos merece, no mínimo, ser questionada para que possamos ter a isenção suficiente, necessária, para olhar para ela como ela merece.
Normalmente a história é construída a partir de artefatos encontrados que falam de culinária, vestimentas, instrumentos de rituais religiosos, mobílias, alimentos, jóias, ferramentas e em geral, objetos de uso diário. Também temos como referência a atitude do povo frente à morte, hábitos que fazem parte dos funerais. Por fim, junta-se tudo isto através da arte que retrata várias situações do dia a dia e representa todo o sistema da estrutura social daquele povo em questão e que reflete suas crenças, filosofia de vida, papéis femininos e masculinos, etc. Este conjunto de dados nos ajudam a ir tecendo a idéia a respeito de como viviam, amavam, pensavam e morriam as pessoas do povo em foco na pesquisa.
Importante é ressaltar que a ausência de determinado objeto ou atitude reflete também o que esta sociedade considera importante ou não e neste caso dos sítios neolíticos foi flagrado uma total ausência de instrumentos bélicos e também de fortificações defensivas o que corrobora a idéia de que eram pacíficos.
Nossos ancestrais também se questionavam de onde vinham e neste questionamento observavam os ventres crescidos de suas mulheres originando a vida, suas crianças crescendo e a chegada da morte. Viam também o eterno ciclar da estações trazendo o sol e o calor do verão seguido do frio e neve do inverno, o florescer das árvores e o cair das folhas, a expansão e a retração da face da lua e o sangramento de suas mulheres acompanhando este eterno nascer e renascer do círculo prateado do céu. Com isto concluíram que a vida vinha da mãe grávida e da Grande Mãe, a mãe natureza, e construíram seu mundo de rito tendo como centro uma deidade feminina.
Sendo a natureza sua mãe, adoravam tudo que dela fazia parte e em lugar de serem achados instrumentos bélicos, foram achadas pinturas murais, baixos relevos e elementos decorativos evocando símbolos ligados a ela, atestando a admiração e respeito que devotavam à beleza e mistério da vida. Em alguns lugares foram encontradas mulheres grávidas, mulheres dando à luz, algumas delas acompanhadas de animais. Também foram encontradas estatuetas representando mulheres junto à animais e plantas e outras que eram parte humanas e parte animais, o que posteriormente foi mal interpretado pela cultura patriarcal. Estas representações da mãe natureza mostrando a micigenação entre humanos e animais, mostravam que todos são parte do corpo da mesma grande mãe, todos filhos do milagre, do mistério e da beleza da vida afirmando a ligação com a vida e não com a guerra e a morte. O objetivo era ter um lugar adequado para instalar-se, cultivar a terra, como demonstram os vários locais encontrados com casas, planícies fertéis, com espaço dedicado ao cultivo agrícola e à pastagem dos animais fornecendo meios materiais para uma existência satisfatória.
Assim, nossos ancestrais viviam em total parceria com a natureza. Não se consideravam seus donos mas usavam a terra enquanto era necessário devolvendo a esta tudo que restava de suas colheitas, ou seja, lhe devolvendo a energia necessária para mantê-la fértil, vital, sem esgotá-la ou esvaziá-la.
Sabiam que seus rios precisavam ser mantidos limpos para poder beber daquela água sem adquirir doenças e que seus animais também precisavam de uma natureza saudável.
Parece que nós, hoje, com todo o nosso conhecimento tecnológico sabemos menos do que estes homens ditos primitivos.
Como cita Riane Eisler em seu livro, o Cálice e a Espada, histórias tais como nossa expulsão do Jardim do Éden também se originam de realidades mais antigas: de recordações populares das civilizações agrárias (ou neolíticas) primitivas, as quais plantaram os primeiros jardins desta terra.
Existem locais, que se pode confirmar através do uso da tecnologia que hoje está a nosso alcance, onde a paz esteve presente por mais de 15000 anos, pois não existem sinais de destruição pela guerra. Evidências arqueológicas também permitem demonstrar não existir dominação masculina. É possível perceber a divisão de tarefas, a igualdade na tomada de decisões, a ausência de diferenças nos túmulos masculinos e femininos referendando uma sociedade igualitária, estruturada em uma relação de parceria.
Existem também evidências de ter sido esta uma sociedade matrilinear, ou seja, onde o nome e os bens de sucessão se faziam pela linhagem materna.
Quando não se conhece outro referencial, se depreende que onde não exista uma sociedade patriarcal deve existir uma sociedade matriarcal. Aqui se vê que olhamos para algo que não conhecemos com olhos já acostumados a uma verdade e que logicamente não consegue vislumbrar uma outra possibilidade.
Pelos dados recolhidos, depreende-se que a realidade daquela época era algo bem diferente do que temos hoje, algo que só recentemente começa a ser falado em nosso meio e que ainda ocupa na mente de muitos um lugar de utopia, idealismo vão e ingênuo e que, preconceituosamente, orbita no reino do pensamento mágico para muitos que não querem abrir sua visão para expandir os conceitos de sociedade, política, economia e religião.
Quando teimamos em ficar sentados sobre uma verdade sem nos abrirmos para a possibilidade de existir uma outra forma de ver, sentir, construir e arquitetar o futuro de nossos filhos e nação, corremos o risco de levarmos nossa sociedade à falência, pois não abrir os olhos para o novo é estagnar em um conceito, não percebendo que a vida é cíclica e que os conceitos também ciclam como o ventre grávido e a natureza no ir e vir das estações.
A vida se deleita e arquiteta seus engendros no fluir sempre novo dos conceitos e visões sem os quais estaríamos fadados a ocupar sempre o mesmo lugar no espaço sem evoluir, crescer, transformar, expandir. Ficaríamos como pequenos objetos em uma loja de brinquedos, sempre iguais, à disposição em uma prateleira sem vida.
Em assim vivendo, é natural que nos sintamos desvitalizados e cansados da mesmice dos nossos dias. Sem nutrição por não estarmos alimentando o fluxo da vida em nós que vem da descoberta diária de quem somos, do que queremos, do que sentimos, de quais são os nossos desejos, de como sofremos e nos deleitamos, o que alimenta a nossa alma, nos tornamos amargos, pessimistas, tristes e morremos de cancer, infarto, solidão, infelicidade. Descobrindo tudo isto nos recôndidos da nossa alma, descobrindo quem somos, qual o nosso desejo mais profundo, qual nosso propósito de vida, qual a fonte do nosso eterno viver, poderemos recuperar o otimismo e a crença de que podemos construir um mundo melhor onde mulheres e homens poderão desfrutar de uma divisão de direitos e deveres sem o domínio de um sobre o outro e sem a desqualificação de um sobre o outro.
Cumpre-nos descortinar esta nova verdade e construirmos um novo mundo baseado na parceria, no amor e confiança entre os homens de boa vontade que cultivam e respeitam a terra e a Terra, fonte de nossa nutrição e sobrevivência.
Margareth Osório

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